COP30 – COP DAS ÁGUAS E DAS ÁREAS ÚMIDAS

Yara Schaeffer-Novelli1; Leonardo Maltchik2 & Maria Teresa Fernandez Piedade3
Conferência das Partes - COP, instância ampla de discussão que fundamenta a tomada de decisões de uma Convenção da Organização das Nações da Unidas (ONU). Dado seu caráter inclusivo, em princípio, as COPs são abertas a um amplo público: chefes de estado, diplomatas, cientistas, ativistas, empresários, jornalistas, organizações financeiras, detentores de conhecimento indígena, artistas e líderes espirituais, entre outros.
Em 1992, por ocasião da ECO-92 realizada no Rio de Janeiro, políticas globais importantes foram firmadas para garantir a qualidade de vida das futuras gerações. Em relação ao clima, foi estabelecida a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Essa Convenção tinha como objetivo estabelecer a base para a cooperação internacional sobre as políticas relacionadas ao aquecimento global.
Mudanças climáticas se referem ao conjunto de consequências do aumento da temperatura no planeta, dentre as quais, temos: secas prolongadas, ondas de calor e de frio, furacões, inundações, aumento do nível do mar, queimadas, perda nas colheitas, impactos na saúde, insegurança alimentar, e perda da biodiversidade, dos direitos humanos de existir, de pertencer a um local e de manter suas culturas originárias.
As COPs da Convenção-Quadro (Clima) são realizadas anualmente desde 1995, e nelas os países signatários discutem e revisam acordos internacionais e metas estabelecidas para aprová-los por consenso, com base no acompanhamento de seu cumprimento por parte dos países membros. As metas envolvem ações de esforços conjuntos e complementares para, emergencialmente, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e limitar o aquecimento global, entre outros temas propostos pelas partes. A cada consenso representativo, as COPs tendem a receber o nome da cidade-sede, como o Acordo de Paris de 2015 (COP21) ou o Pacto Climático de Glasgow de 2021 (COP26).
O QUE ESPERAR DA COP30
Por primeira vez uma COP do Clima será realizada no Brasil, a COP30. Tendo como cidade sede Belém, no estado do Pará, o evento ocorrerá de 10 a 21 de novembro de 2025, e já vem ocupando a mídia, onde são aventados temas especialmente relativos à Amazônia.
Entretanto, embora o Norte do continente da América do Sul seja amplamente caracterizado pela Floresta Amazônica e, que esta seja um dos exemplos planetários mais claros da dependência da ÁGUA, até agora, após 30 anos de reuniões, propostas tratando desse bem comum não são destacadas. Carecem do devido e necessário destaque às múltiplas e vitais funções desse recurso natural em seus três estados físicos, bem como sua influência no clima em escalas local, regional e global, no tocante à dinâmica dos fluxos hídricos, como as bombas biológicas formadoras dos rios voadores que levam ÁGUA até o Cone Sul das Américas. Até agora, parecem não ter sido aventadas propostas para debater ações objetivas, irrevogáveis e emergentes sobre disponibilidade e qualidade da ÁGUA, bem fundamental à vida de todo e qualquer ser vivo. Um ser humano pode subsistir à falta de alimentos sólidos por cerca de 30 dias, mas dificilmente permanecerá vivo sem a ingestão de água por mais que 3 dias.
ÁGUA é substância vital para a existência e a sobrevivência dos seres vivos, imprescindível desde a concepção, produção dos alimentos, ou da energia. Assistimos a secas, enchentes, queimadas, aumento do nível médio relativo do mar, aumentos térmicos, desequilíbrio de ecossistemas, redução da biodiversidade com a perda de paisagens e de fontes de subsistência, alterações da história e das culturas. No Brasil, 94% dos municípios já sofreram com os eventos climáticos extremos. A perda de áreas naturais, de bens materiais e de vidas humanas ligadas ao excesso ou a falta de água e sua influência nas alterações do clima já são uma realidade alarmante (https://www.instagram.com/p/DE5Y9wdTTBE/?igsh=7jFkYzMzMDQzZg= =).
A ÁGUA E AS ÁREAS ÚMIDAS
As águas têm uma distribuição heterogênea na Terra. As mudanças climáticas afetam os regimes hídricos do Planeta de maneiras complexas, mas a maioria dos impactos dessas alterações se resumem à Água (UN Water, https://www.un.org/en/climatechange/science/climate-issues/water). Mas onde está a água? Cerca de 70% do planeta Terra são cobertos por mares e oceanos. As águas doces constituem rios, lagos, lagoas, além dos aquíferos subterrâneos, intimamente associados às áreas úmidas (AUs).
As áreas úmidas se caracterizam por estar na interface entre ambientes aquáticos e terrestres, como manguezais, pradarias marinhas, pântanos e brejos. Esses ambientes são considerados verdadeiros. hotspots de biodiversidade e efetivos sumidouros de carbono, altamente eficazes pois fixam e armazenam CO2 atmosférico, sendo muito importantes na redução das emissões de gases de efeito estufa.
As AUs correspondem de 4 a 6% da superfície da Terra. Desse total, cerca de 30% correspondem às regiões tropicais. Em nível mundial, as áreas úmidas permanentemente inundadas seriam de cerca de pouco mais de 50%, enquanto que as AUs temporariamente inundadas corresponderiam a uns 46%, e as águas subterrâneas sendo estimadas em uns 20%. Embora os inventários desses ambientes ainda sejam tímidos, alguns levantamentos sugerem predomínio das AUs interiores com pouco mais de 90%, e de cerca de 7% para as áreas costeiras. Segundo o "Inventário das Áreas Úmidas Brasileiras" (2024, organizado por Junk & Nunes da Cunha), o Brasil abriga grande número desses ambientes, interiores e costeiros, cobrindo área total com cerca de 20% do território nacional, com importância fundamental na ecologia das paisagens, na biodiversidade e para a socioeconomia das comunidades associadas.
As áreas úmidas amortecem eventos climáticos extremos retendo os excessos de água e eliminando-os gradualmente na paisagem, assegurando a manutenção dos ciclos hidrológicos. A flora e os microrganismos das áreas úmidas contribuem para a purificação da água. O desmatamento, agravado por queimadas, remove a cobertura vegetal alterando a disponibilidade de água o que aumenta a erosão do solo e reduz a recarga de aquíferos.
Ecossistemas de áreas úmidas saudáveis e funcionais, em associação a uma adequada gestão da água podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa e fornecer proteção contra riscos climáticos, como os que vêm sendo observados anualmente em todo o planeta, inclusive na Amazônia (https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2024/01/23/manaus-lidera-ranking-de-cidades-com-maior-numero-de-desastres-naturais-em-2023-aponta-cemaden.ghtml).
Embora as AUs sejam importantes na mitigação das mudanças climáticas, estas paisagens vêm sofrendo perdas sensíveis devidas às atividades humanas que podem chegar a 50%. De acordo com a FAO (Food and Agriculture Organization, sigla em inglês para Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), mais de 70% da água doce é usada para a agricultura, com cerca de 2.000 e 5.000 litros de água/por pessoa, usados para produzir a comida diária de uma pessoa.
CENÁRIOS
As mudanças climáticas têm contribuído para o aquecimento global e as alterações nos padrões do ciclo da água, resultando no agravamento de enchentes e secas, no aumento do nível médio relativo do mar, na redução das placas de gelo, na maior frequência de incêndios florestais e nos escorregamentos de encostas que constituem, entre outros, os chamados "eventos climáticos extremos", cada dia mais frequentes, impactando a biodiversidade e o desenvolvimento com sustentabilidade.
Essas mudanças são uma grande ameaça à disponibilidade de ÁGUA, considerando que apenas 0,5% da água da Terra é doce e está disponível para consumo, o que já afeta a interação do homem com esse recurso finito (ONU).
Por outro lado, a frequência de eventos extremos de precipitação, provavelmente, aumentará durante o século XXI, com mais inundações geradas pelas chuvas em excesso. Ao mesmo tempo, estão previstos agravamentos das secas extremas (IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change). Somente na Amazônia, cerca de 50% da água da precipitação é resultante da evapotranspiração da floresta, de forma que a derrubada da cobertura vegetal, seguida de fogo, compromete enormemente o ciclo da água na região, com implicações para outras regiões do Brasil e, quiçá, globais.
Quaisquer que sejam os cenários futuros, todos são preocupantes. Segundo o IPCC (2022), os riscos de inundação e secas, assim como os danos sociais e econômicos associados, irão aumentar para cada grau Celsius de aquecimento global. Registros mostram que nos últimos vinte anos, o armazenamento de água terrestre, incluindo umidade do solo, neve e gelo, caiu a uma taxa de 1 centímetro por ano, comprometendo a segurança hídrica da humanidade (OMM). Além disso, desde o ano 2000, os desastres devidos às inundações aumentaram em 134% em comparação com as duas décadas anteriores. O número e a duração das secas também aumentaram em 29% no mesmo período (WMO - World Meteorological Organization, em inglês).
O aumento das temperaturas do ar e a elevação da umidade atmosférica, contribuem para períodos de fortes tempestades e chuvas torrenciais alternados com períodos de seca mais intensos, tornando o acesso à água potável ainda mais precário. Isso se torna dramático, considerando que o relatório da ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, 2022), aponta que cerca de dois bilhões de pessoas no mundo não têm acesso seguro a água potável, e cerca da metade da população mundial enfrenta grave escassez de água por, pelo menos, parte do ano (IPCC), números que tendem a aumentar como resultado do crescimento populacional e das mudanças climáticas (OMM – Organização Meteorológica Mundial).
Atualmente, diante dos cenários mundial e, da Amazônia em especial, não é mais aceitável que alguns dirigentes de Estados-membros tratem os eventos extremos como se fossem acidentes climáticos eventuais, sem se darem conta que estes chegaram para ficar e se tornar mais rigorosos, pois suas frequências de recorrência e severidade serão multiplicadas e ampliadas.
Dessa forma, a COP30 no Brasil se mostra como uma oportunidade única para a humanidade, de fazer prevalecer o bom senso, para que considere esta como a COP DAS ÁGUAS E DAS ÁREAS ÚMIDAS!
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- Professora Sênior do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo; Sócia fundadora do Instituto BiomaBrasil - IBB; Membro do Grupo de Especialistas em Manguezal da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental – PROAM.
- Professor, Programa de Pós Graduação em Biologia de Ambientes Aquáticos, Universidade Federal de Rio Grande - FURG, Pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas.
- Pesquisadora Titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) – Líder do Grupo de Pesquisas "Ecologia, monitoramento e uso sustentável de Áreas Úmidas - MAUA".